segunda-feira, 3 de março de 2008

Rua Padroeira da Música.


Minha rua acordou mudada, os vizinhos não se conformam. A expressão em seus rostos é de tristeza. A tristeza causada por uma certeza quase que absoluta, de que a vida não seria mais a mesma. Saber que a vida levou embora um membro que pertencia a todas as famílias. Dona Cecília, a senhora de 78 anos que morava no final da rua, em uma casa amarela de janelas azuis, como seus olhos acolhedores, havia falecido na noite anterior.
E nessa manhã, os pais de família, não pegarão o trânsito matinal em direção ao trabalho. As crianças não têm um ar de sono, tão presente nas segundas-feiras antes de irem para escola. Afinal elas não irão para a escola. As mulheres da rua, com lágrimas nos olhos começam os preparativo para o velório.
A minha rua, Sargento José Bonifácio que fica na Vila das Palmeiras está órfã. Pois Dona Cecília era a mãe, tia e avó de todos nós, moradores da rua. Sejam os antigos, que se mudaram para lá, desde o final de Ditadura Militar, até o novo casal que chegou a pouco mais de um ano, estavam órfãos. Muitos podem achar um exagero isso, eu particularmente não acho. Por mais que tenha minha mãe todos os dias, Dona Cecília era uma espécie de segunda mãe para mim.
Ela era uma senhora que ajudava as mães solteiras da rua, e as casadas também. Que distribuía doces e histórias divertidas para as crianças. E sempre com um conselho para os rapazes, sejam eles jovens ou não. Dona Cecília morava sozinha em sua casa amarela, mas nunca estava realmente sozinha. Sempre tinha alguma mãe desesperada não sabendo como fazer com que seu filho comesse cenouras. Uma criança sentada numa cadeira da cozinha, devorando biscoitos recém-feitos, enquanto ouvia a história sobre Magos que viviam entre os Mortais. Ou um rapaz pedindo conselhos para conseguir criar coragem para chamar aquela garota que habita seus pensamentos. E no meio de seus conselhos, suas histórias, ela sempre cantava. Ah, como ela gostava de cantar. Nós dizia que a música limpa a alma das pessoas.
Os preparativos para velarmos sua alma, estavam prontos. Nós, por termos conhecido ela, sabíamos que ela não gostaria de um velório depressivo, como costumam ser os velórios. Em sua sala, haviam dezenas de cadeiras, e uma mesa repleta das guloseimas que ela tanto fazia. Tocava uma música antiga, da década de 40, que ela costumava cantarolar enquanto caminhava pela rua, cumprimentando seus moradores. Esses mesmos moradores, que ali estavam presentes, mesmo com todo o sentimento de solidão, sorriam ao falar sobre ela. Sobre como ela era importante e necessária em suas vidas.
Para mim, que junto com eles, me sinto órfão, me sinto triste e informado, não digo que ela era importante, necessária em minha vida. Seria matá-la mais uma vez. Dona Cecília, mesmo me magoando com sua morte, jamais deixará de ser importante. Tudo o que ela me ensinou, me mostrou, estará sempre presente. Para mim, ela ainda está cuidando de todos nós, moradores da Rua Sargento Bonifácio, que na verdade ira mudar o seu nome muito em breve.

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